sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Os Aromas dos Vinhos

OS AROMAS DOS VINHOS

“É difícil imaginar um vinho mais concentrado, com aromas de amoras, melado, passas, café e chocolate.”

“Um monstro de complexidade, com aromas de café, cedro, tijolo, cacau, caça, alcatrão, e um toque de borracha e ferro que deve se dissipar com o tempo.”

“Uma das safras mais complexas de todos os tempos, com aromas de grapefruit, laranja, tangerina, pétalas de rosa, canela, sálvia, cassis, trufas negras.”

Os parágrafos acima descrevem as notas de degustação de três grandes vinhos.

Ao ler estes parágrafos você pode se perguntar: mas o que estão fazendo café, chocolate, trufas, rosa, canela, tijolo e alcatrão no aroma de um vinho? Como estes aromas foram parar no vinho? Eles são adicionados artificialmente? Ou são simplesmente devaneios de quem está degustando?

A primeira coisa a deixar claro é que estes aromas não são devaneios do degustador. Estes tipos de aroma realmente aparecem nos grandes vinhos, às vezes de forma muito nítida, às vezes de forma mais tímida.

A segunda afirmação importante é: estes aromas não são adicionados artificialmente ao vinho. Eles são aromas naturais resultantes das reações químicas que ocorrem no processo de fermentação, maturação em carvalho e envelhecimento.

Estabelecidos estes dois pontos cruciais, vamos tentar entender um pouco mais sobre os aromas dos vinhos.

A abordagem deste tema pode ser feita de duas formas: com base na análise dos compostos químicos presentes na uva e gerados nos processos de fermentação, maturação em madeira e envelhecimento; ou com base em uma simples descrição sensorial e algumas definições que podem auxiliar a compreensão. A primeira abordagem, embora precisa, se restringe aos profissionais do ramo, pois demanda grande conhecimento de química e de complexos estudos sobre características aromáticas. Logo, por razões óbvias, optamos aqui pela descrição sensorial.

Primeiro, vamos estabelecer a diferença entre aroma e buquê, termos às vezes utilizados como sinônimos. Embora não haja consenso sobre isto, em geral associamos o termo aroma aos vinhos jovens, ou seja, aromas contidos em vinhos jovens, e o termo buquê aos aromas desenvolvidos pelos vinhos no processo de envelhecimento na garrafa, ou seja, aromas que surgem nos vinhos velhos e que não estavam presente quando o vinho ainda era jovem. Logo, naqueles vinhos que são feitos para ser tomados jovens, só teremos aromas e nunca buquê.

A seguir, vamos fazer uma primeira classificação dos aromas presentes nos vinhos, em aromas primários, secundários e terciários.

Os aromas primários são os aromas preexistentes na uva, ou seja, antes de qualquer transformação. Em geral, as uvas in natura não possuem aromas primários perceptíveis (ou seja, vinho não tem aroma de uva!), com algumas poucas exceções, mas possuem aromas primários que irão se revelar com a fermentação. As uvas Muscat talvez sejam aquelas em que é mais fácil perceber os aromas primários, pois se trata de uma classe de uvas muito perfumadas e de aroma característico.

Os aromas secundários são os que surgem nos processos de fermentação, pela ação das leveduras e bactérias.

Os aromas terciários (buquê) são aqueles que surgem com o envelhecimento do vinho e só aparecem nos grande vinhos. Ou seja, um vinho mediano não desenvolverá aromas terciários com a idade, sendo esta capacidade reservada apenas para os melhores vinhos, aqueles que são capazes de melhorar com o tempo.

Uma outra classificação útil é separar os aromas presentes nos vinhos em famílias aromáticas. O número de famílias aromáticas e os elementos que as compõem variam muito de autor para autor, mas algumas famílias que aparecem com freqüência nas classificações dos aromas dos vinhos são:

Aromas frutados - aromas associados às frutas em geral, estão presentes na grande maioria dos vinhos. Os aromas frutados se apresentam na forma de frutas frescas, de frutas cozidas ou de geléias de frutas. Para os brancos, aromas comuns são: maçã, damasco, figo, grapefruit, limão, lichia, laranja, melão, coco, pêssego, pêra e abacaxi. Para os tintos: amora preta, groselha, cereja, ameixa, framboesa e morango.

Aromas florais - gardênia, gerânio, jasmim, lírio, madressilva, rosa e violeta.

Especiarias e ervas - canela, cravo, gengibre, pimenta do reino, alcaçuz, noz-moscada, alecrim, menta e hortelã.

Terrosos - terra molhada, chão de bosque, pinheiro, trufas e cogumelos.

Minerais – giz, pederneira, petróleo, pedra.

Frutas secas - mais comuns nos brancos, incluem: amêndoa, avelã e nozes.

Animais - em geral presentes em vinhos envelhecidos, incluem: caça, couro, estrebaria.

Vegetais herbáceos – alcachofra, aspargo, pimentão, alho-poró, alcaparra, azeitona, eucalipto, tabaco e chá.

Adocicados – chocolate, caramelo, mel, biscoitos amanteigados.

Relacionados à madeira – defumado, café, baunilha, cedro, fumaça, carvalho.

Lácteos – manteiga, creme de leite, nata.

A degustação de um vinho, pelo ponto de vista de seus aromas, envolve três aspectos: qualidade dos aromas, intensidade dos aromas e complexidade, que está relacionada ao número de famílias aromáticas presentes no vinho (quanto maior o número de famílias aromáticas mais complexo é o vinho e maior a sua valorização).

Perceber os aromas nos vinhos, no entanto, é uma tarefa difícil, que demanda treino constante. Existem alguns kits, compostos de frascos com os diversos aromas identificados acima e guias que indicam os aromas esperados em cada tipo de vinho, que podem auxiliar bastante neste processo. Um exercício interessante é tentar definir o aroma de cada frasco às cegas, ou seja, sem ler o rótulo do mesmo. Nas degustações com iniciantes, o poder de identificação médio das pessoas não passa de 20%. Ou seja, se pedirmos para uma pessoa identificar os aromas de dez frascos, por exemplo, em média ela acertará apenas dois!

A foto que ilustra este texto mostra uma abordagem que vi em uma feira sobre vinhos em minha última viagem a Beaune, na Borgonha. Para ilustrar as famílias aromáticas foram criados vários decanters enormes, cada um contendo elementos de uma família aromática in natura. Uma experiência sensorial incrível, mas de reprodução difícil e cara, infelizmente.

Para evoluir sua percepção sensorial quanto aos aromas, sugiro que você passe a freqüentar as melhores feiras e mercados da sua cidade e passe a prestar atenção nos aromas dos produtos em exposição. Este exercício, simples, permitirá a criação de uma memória olfativa que muito irá auxiliá-lo na identificação dos aromas dos vinhos.

A degustação em grupo também auxilia bastante no processo de desenvolvimento da sensibilidade olfativa, pois há possibilidade de troca de experiências e de complementação na percepção dos aromas. Logo, organize o maior número possível de degustação com seus amigos e parta para a prática. Mas por favor, lembre-se: “life is too short to drink bad wine!”.

Abraço a todos,

Brito.