quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Afinal, Qual o Melhor Vinho da Argentina?

Recentemente escrevi um texto tentando qualificar os melhores vinhos do Chile, no qual afirmei que, embora alguns vinhos chilenos tivessem excelente qualidade, os tops chilenos são hoje, em termos de pontuação média na crítica especializada, inferiores aos tops argentinos. Esta afirmativa despertou o interesse de saber quais, afinal, são os melhores vinhos da Argentina atualmente.

De novo, classificar vinhos não é uma tarefa fácil se você se basear em preferências pessoais. Assim, utilizei o mesmo critério que utilizei para os chilenos, ou seja: analisar a nota média que os tops argentinos receberam da Wine Spectator (WS) e do Robert Parker (RP).

O filtro inicial foi o mesmo utilizado para os chilenos, ou seja: só entraram na disputa os vinhos que tiveram ao menos uma nota maior ou igual a 95 da WS ou do RP. Como o número de vinhos após este filtro ainda era alto, apliquei dois outros filtros: só foram considerados vinhos que tiveram ao menos 10 avaliações (somadas as avaliações da WS e do RP) e só foram considerados vinhos que obtiveram uma média igual ou superior à menor média dos tops chilenos analisados no texto anterior.

Em um primeiro destaque, os vinhos argentinos que receberam as pontuações mais altas foram:
  •  Achaval Ferrer Finca Altamira, que recebeu 99 pontos do Parker na safra de 2009.
  • Vina Cobos Malbec Marchiori, que recebeu 99 pontos do Parker na safra de 2006.

É interessante lembrar que a maior nota obtida pelos chilenos havia sido 97 pontos. Ou seja, por enquanto, o placar está em Argentina 1 x 0 Chile.

Finalmente, vamos ao ranking dos vinhos mais pontuados da Argentina. Para definir este ranking tomamos a média da pontuação que estes vinhos receberam nas últimas dez safras avaliadas pela Wine Spectator e pelo Parker e aplicamos as mesmas penalidades aplicadas aos chilenos, ou seja, as penalidades aplicadas para vinhos que não tiveram ao menos oito safras analisadas em cada publicação foram:
  • Vinhos com 5 ≤ safras avaliadas ≤ 7: menos 0.5 ponto na média obtidos.
  • Vinhos com 3 ≤ safras avaliadas ≤ 4: menos 1 ponto na média obtida.
  •  Vinhos com menos de três safras avaliadas: menos 1.5 pontos na média obtida.

Como resultado final, os campeões argentinos são:
  1. Achaval Ferrer Finca Altamira: com 95.09 pontos em média, é o campeão da Argentina, além de ser um dos dois argentinos que receberam 99 pontos. Este é um vinho de Malbec feito a partir de velhas videiras (algumas com mais de 80 anos) em altitude de 1.050 metros, plantadas em pé-franco na região La Consulta no Vale do Uco em Mendoza. O rendimento é muito baixo, menos de 1/3 de uma garrafa de vinho por planta. O vinho é maturado em barricas novas de carvalho francês por 15 meses. As safras mais bem avaliadas foram: 2009 (com 99 pontos do Parker, embora tenha recebido apenas 92 pontos da WS), 2004 (com 98 pontos do Parker; não avaliada pela WS), 2008 (com 97 pontos do Parker e 94 da WS), 2006 (com 96 pontos do Parker e da WS), 2011 (com 96 pontos da WS e 95 do Parker), 2010 (com 96 pontos da WS e 93 do Parker) e 2007 (com 95.5 pontos do Parker e 95 pontos da WS). Ou seja, um campeão de estabilidade em termos de altas notas e, portanto, um excelente candidato para uma vertical.
  2. Vina Cobos Malbec Marchiori Vineyard: com 95.05 pontos de média, um empate técnico com o Achaval Altamira, este é o segundo vinho mais pontuado da Argentina. A safra de 2006 recebeu 99 pontos do Parker, pontuação só obtida por ele e pelo Achaval Altamira. Este é um vinho feito 100% com uvas Malbec provenientes das videiras mais antigas (80 anos ou mais) do vinhedo Marchiori, localizado no distrito de Perdriel em Lujan de Cuyo, Mendoza. A altitude deste vinhedo é de 980 metros. Nas últimas safras, o Cobos Malbec passou 18 meses em barrica de carvalho francês 100% novas. Além da safra 2006, outras safras excepcionais foram: 2005 e 2004 (ambas com 98 pontos do Parker e 94 da WS), 2003 (com 97 pontos do Parker e 95 da WS), 2002 (com 96 pontos do Parker e 95 da WS) e 2009 (com 96 pontos do Parker e 94 da WS). Mais um candidato a uma grande vertical.
  3. Catena Zapata Malbec Adrianna Vineyard: ainda em empate técnico com os dois primeiros, o Adrianna ficou com uma média de 94.57 pontos (mas recebeu 0.5 ponto de penalidade na média do RP por ter tido apenas 7 safras avaliadas – a média seria 94.78 sem esta penalidade). A presença de um Catena em 3º lugar fecha a tríade das vinícolas supertop da Argentina: Achaval, Cobos e Catena Zapata. Mais um vinho feito 100% com uva Malbec, neste caso proveniente do vinhedo Adrianna, que possui altitude em torno de 1.400 metros e está localizado no distrito de Gualtallary, na região de Tupungato em Mendoza. O Catena Adrianna é fermentado em barrica nova de carvalho francês e maturado 18 meses em barrica nova de carvalho francês. As safras mais bem avaliadas foram 2009 e 2004 (com 97 pontos do Parker e 94 da WS), 2005 (com 97 pontos do Parker e 93 da WS), 2008 (com 97 pontos do Parker e 92 da WS), 2007 (com 96 pontos do Parker e 95 da WS) e 2010 (com 96 pontos do Parker e 93 da WS). Outro excelente candidato para uma vertical. 
  4. Catena Zapata Malbec Argentino Vineyard: com 94.5 pontos de média, este outro exemplar da Catena aparece em 4º lugar, ainda em empate técnico com os primeiros (o Argentino foi penalizado em 0.5 ponto tanto na média do Parker quanto na da WS, o que significa que sua média sem penalização seria 95 pontos, o que o levaria para o 3º lugar). Mais um vinho feito de Malbec, agora com uvas provenientes dos vinhedos Adrianna (o mesmo utilizado no Catena Adrianna) e Nicasia, este último um vinhedo de 1.180 metros de altitude localizado no distrito de La Consulta na região de San Carlos em Mendoza. O Argentino também é fermentado em barricas novas de carvalho francês (como o Adrianna) e é maturado 24 meses em barricas novas de carvalho francês. As safras mais bem avaliadas foram: 2004 (com 98+ pontos do Parker e 95 da WS), 2005 (com 97+ pontos do Parker e 95 da WS), 2007 (com 97 pontos do Parker e 94 da WS), 2008 (com 97 pontos do Parker e 93 da WS) e 2006 (com 96 pontos do Parker e 93 da WS). Até agora uma rotina, todos os vinhos com muitas safras bem pontuadas e excelentes candidatos a uma vertical.
  5. Catena Zapata Nicolas Catena: em 5º lugar aparece um exemplar da Catena Zapata produzido apenas em anos considerados especiais. Aqui temos um intruso no mundo dos vinhos top argentinos, pois ele é elaborado com um corte de Cabernet Sauvignon e Malbec. Por exemplo, a safra de 2008 teve 65% de Cabernet Sauvignon e 35% de Malbec, com uvas provenientes dos vinhedos La Piramide (940 metros de altitude no distrito de Agrelo em Lujan de Cuyo, Mendoza), Domingo (1.130 metros de altitude, distrito de Villa Bastias, Tupungato, Mendoza), Adrianna e Nicasia. O vinho é fermentado parte em barrica nova de carvalho francês e parte em tanques de aço inox (50% e 50% na safra de 2008) e maturado 24 meses em barrica nova de carvalho francês. As safras mais bem avaliadas foram: 2004 (com 98+ pontos do Parker e 92 da WS), 2005 (com 98 pontos do Parker e 94 da WS), 2008 (com 98 pontos do Parker e 93 da WS), 2007 (com 98 pontos do Parker e 92 da WS) e 2006 (com 97 pontos do Parker e 93 da WS). Mais uma boa dica para uma vertical.
  6. Achaval Ferrer Malbec Finca Bella Vista: depois de três representantes da Catena Zapata temos de novo um representante da Achaval ocupando o 6º lugar, com média de 94.13 pontos (0.5 ponto de penalização na média do Parker). De novo um exemplar de Malbec, agora proveniente do vinhedo Bella Vista, com 100 anos de idade, localizado no distrito de Perdriel em Lujan de Cuyo, Mendoza, com altitude de 980 metros. O Bella Vista é maturado 15 meses em barricas 100% novas de carvalho francês. As safras mais bem avaliadas foram: 2008 (com 98 pontos do Parker e 93 da WS), 2009 (com 98 pontos do Parker e 91 da WS), 2007 (com 96 pontos do Parker e 95 da WS) e 2011 (com 95 pontos do Parker e da WS).
  7. Catena Zapata Malbec Nicasia Vineyard: 93.78 pontos é a média do vinho que aparece em 7º lugar (0.5 ponto de penalização na média do Parker). Mais um Malbec da Catena Zapata fermentado em barrica nova de carvalho francês e maturado 18 meses em barrica nova de carvalho francês, com uvas provenientes do vinhedo Nicasia. As safras mais bem avaliadas são: 2007 (com 96 pontos da WS e 95 do RP), 2004 e 2005 (com 96 pontos do Parker e 95 da WS) e 2006 (com 94 pontos do Parker e 95 da WS).
  8. Bodega Noemia de Patagonia: aqui aparece um novo intruso na nossa lista, não pela uva, que continua sendo Malbec, mas pela região, uma vez que este vinho não é produzido em Mendoza e sim na Patagônia, no sul da Argentina (cerca de 1.000 km ao sul de Buenos Aires), em uma região denominada Vale do Rio Negro. A pontuação média obtida foi 93.57 (com 0.5 ponto de penalização na média do Parker). A fermentação ocorre em tanques de concreto e a maturação se dá por 20 meses em barricas novas de carvalho francês. As videiras possuem idade acima dos 80 anos e são plantadas em pé-franco (aliás, o que acontece em grande parte da argentina). As safras mais bem pontuadas são: 2011 (com 96 pontos do Parker e 95 da WS), 2009 (com 96 pontos da WS e não avaliada pelo Parker) e 2006 (com 96 pontos da WS e 89 do Parker).
  9. Achaval Ferrer Malbec Finca Mirador: em 9º lugar, com 93.42 pontos, aparece o último representante da tríade suprema da Argentina (Achaval, Cobos e Catena). Mais um Malbec, agora com uvas provenientes de vinhedo de mais de 90 anos (em pé-franco) localizado em Medrano – Mendoza. A maturação se dá por 15 meses em barrica nova de carvalho francês. As safras mais bem avaliadas são: 2004 (com 96 pontos do Parker e 94 da WS), 2008 (com 96 pontos do Parker e 93 da WS), 2011 (com 96 pontos da WS e 92 do Parker) e 2009 (com 96 pontos do Parker e 90 da WS).
  10. Alta Vista Alto: o nosso 10º colocado é o principal vinho da vinícola Alta Vista e só é produzido em anos considerados especiais. A pontuação média que este vinho obteve foi 93.27 pontos (com 0.5 ponto de penalidade na média do Parker). Ele é um blend de Malbec e Cabernet com predominância de Malbec; por exemplo, 75% de Malbec na safra de 2010, 80% na safra de 2009, 70% na safra de 2007 e 77% na safra de 2006. O vinho é maturado ao menos 16 meses em barrica nova de carvalho francês. As safras mais pontuadas são: 2006 (com 95 pontos do Parker e 95 da WS), 2009 (com 95 pontos do Parker e 93 da WS) e 2010 (com 92 pontos do Parker e 95 da WS).
  11. Luca Nico By Luca Malbec: a vinícola Luca é o projeto solo de Laura Catena. Seu vinho Nico by Luca é um 100% Malbec produzido com uvas provenientes do vinhedo Paganotto (localizado em Altamira) e do vinhedo Rosas (localizado em La Consulta), ambos no Vale do Uco em Mendoza. As videiras possuem mais de 50 anos de idade. O tempo de maturação é de 18 meses em barrica nova de carvalho francês. A pontuação média obtida por este vinho foi 93.05 pontos (com 0.5 ponto de penalidade tanto na média do Parker quando na da WS). As safras mais bem pontuadas são: 2005 (com 95 pontos do Parker e 94 da WS) e 2004 (com 95 pontos do Parker e 93 da WS).
  12. Vina Cobos Malbec Bramare Marchiori: o 12º colocado nesta lista é o segundo representante da vinícola Cobos. Mais um 100% Malbec, com uvas provenientes do vinhedo Marchiori, em Perdriel, Lujan de Cuyo, Mendoza. As vinhas possuem mais de 50 anos de idade. O tempo de maturação é em torno de 18 meses em barrica de carvalho francês e americano, sendo entre 67% e 77% novos, dependendo da safra. A pontuação média obtida foi 92.8 pontos (com penalidade de 0.5 ponto na média do Parker). As safras mais bem pontuadas são: 2006 (com 97+ pontos do Parker e 92 da WS) e 2005 (com 96 pontos do Parker e 91 da WS).
  13.  Mendel Finca Remota: nosso 13º colocado também é 100% Malbec, com uvas provenientes de um vinhedo com altitude de 1.100 metros, localizado em Altamira, no Vale do Uco, em Mendoza. As vinhas são de pé-franco com 75 anos de idade. A safra de 2011 passou 12 meses em barrica nova de carvalho francês. A pontuação média obtida foi de 91.92 pontos. As safras mais bem pontuadas foram: 2008 (com 95 pontos do Parker e 92 da WS), 2009 (com 94+ pontos do Parker e 89 da WS), 2007 (com 94 pontos do Parker e 93 da WS) e 2006 (com 94 pontos do Parker e 92 da WS).
  14. Val de Flores: vinho 100% de Malbec de vinhedo localizado em Vista Flores, Vale do Uco, Mendoza. As vinhas possuem mais de 50 anos de idade. O vinho é fermentado em barrica nova de carvalho francês e maturado 18 meses na mesma barrica. A pontuação média obtida foi de 91.54 pontos (com penalidade de 1 ponto na média da WS). As safras mais bem pontuadas são: 2002 (com 95 pontos do Parker e 91 da WS) e 2005 (com 94 pontos do Parker, não pontuado pela WS).

Observando as descrições e características dos catorze vinhos acima listados podemos tirar algumas conclusões interessantes para os tops argentinos:
  1. A uva que realmente importa é a Malbec, com a Cabernet Sauvignon também merecendo destaque por causa do Nicolas Catena e do Alto.
  2. A região que importa é Mendoza, com a Patagônia aparecendo em um único vinho para quebrar a hegemonia de Mendoza.
  3. Em Mendoza há várias sub-regiões/distritos de destaque: La Consulta no Vale do Uco, Perdriel em Lujan de Cuyo, a região de Tupungato e outras.
  4. A barrica nova de carvalho francês é quase unanimidade no processo de maturação; a única exceção é o Bramare Marchiori, que também usa barrica americana e não usa 100% de barricas novas.
  5. A fermentação em barrica nova de carvalho francês é comum, particularmente, mas não somente, nos Catenas.
  6. O tempo de maturação em barrica está entre 15 e 24 meses (com exceção do Mendel que fica 12 meses), com tempo médio de 17.77 meses.
  7.  As videiras são velhas, entre 50 e 100 anos.
  8. Os vinhedos são de altitude, em torno de 1.100 metros.
  9. Em geral, o Parker pontua os vinhos da Argentina acima da pontuação da WS.
Voltando à comparação com o Chile:
  • A maior média da Argentina, 95.09, é 1.74 pontos maior que a maior média do Chile, 93.35: Argentina 2 x 0 Chile. 
  • A Argentina possui 9 vinhos com pontuação média maior que a maior média dos chilenos: Argentina 3 x 0 Chile.
  • Mas o Chile aparece com mais destaque na lista dos Top 100 da Wine Spectator: Argentina 3 x 1 Chile.

·      As pontuações obtidas pelos argentinos conseguem colocar 2 vinhos entre os 50 mais pontuados do mundo e outros 3 vinhos entre os 100 mais pontuados do mundo: Argentina 4 x 1 Chile.

Por fim, considerando apenas as análises feitas por Robert Parker, há 1.804 vinhos argentinos com 90 ou mais pontos, dentre os quais a média é de 91.49 pontos. Ou seja, se você for tomar um vinho por dia, vai levar quase cinco anos apenas para provar os vinhos argentinos que obtiveram pontuação maior ou igual a 90 pontos! Vamos começar logo então!

O resultado acima nos leva ao placar final da nossa comparação: Argentina 5 x 1 Chile. Ou seja, surpreendentemente, goleada da Argentina!

Um exercício de degustação interessante é pegar exemplares dos vinhos acima listados, preferencialmente de safras mais antigas, e partir para uma comparação prática!

Outro exercício interessante é apreciar degustações verticais destas preciosidades com o intuito de comparar a qualidade em safras distintas.

Boa degustação a todos.

E me chamem se forem partir para a prática!!!!


Brito.