quinta-feira, 24 de maio de 2012

O D.O.M Merece Mesmo a Posição de 4o Melhor Restaurante do Mundo?


O D.O.M Merece Mesmo a Posição de 4º Melhor Restaurante do Mundo?

O prestígio internacional do D.O.M vinha crescendo nos últimos anos, mas nada apontava para o grande resultado que ele teve este ano: a revista inglesa Restaurant, uma das mais prestigiadas do mundo da gastronomia, o classificou como o 4º melhor restaurante do mundo, uma posição realmente invejável.

Já tinha ido ao D.O.M algumas (poucas) vezes, mas não freqüentava o restaurante há pelo menos dois anos. Ao ler a reportagem sobre a classificação da Restaurant fiquei intrigado: será que ele realmente merece esta posição?

Ao consultar o Guia 4 Rodas, fiquei surpreso ao constatar que, na edição de 2012, o D.O.M não é considerado sequer o melhor restaurante do Brasil, posto assumido pelo Fasano, também em São Paulo.

A pergunta óbvia é: como um restaurante que não é reconhecido, pelo melhor guia local, como o melhor do Brasil pode ser o 4º do mundo, sendo que aquele que é o melhor do Brasil nem aparece nas listas internacionais!

Para tentar desvendar este mistério resolvi fazer uma pesquisa de campo: aproveitei uma ida a São Paulo, há algumas semanas, para assistir ao show do Buddy Guy, e fui ao D.O.M tirar a prova dos nove.

Cheguei ao restaurante às 00:20 de sábado para domingo, achando que ia encontrar tudo tranqüilo e encontrei......fila! Esperei até uma da manhã e finalmente assumi meu posto à mesa.

No cardápio, vários pratos tentadores, mas resolvi fazer o que é mais recomendado em restaurantes muito estrelados e badalados: pedir um menu degustação para ter oportunidade de sentir a “mão” do chef em vários tipos de pratos distintos.

Optei por um menu de 8 pratos, seguidos de queijo e sobremesas, harmonizados com nove vinhos distintos. O menu da noite foi:

1)      Camarão, chuchu, tamarindo e cajuína: prato de bom sabor, sem provocar grandes entusiasmos, bem harmonizado.
2)      Creme de carirú com marisco: aqui já apareceu a primeira exclamação da noite. Sabores ao mesmo tempo sutis e marcantes, muito bem acompanhados pelo vinho.
3)      Filé Curado, leite de castanha do Pará e priprioca: embora diferente, o prato não marcou, assim como o vinho também não. Ou seja, nada de especial por aqui.
4)      Ostras empanadas com tapioca marinada: um dos grandes pratos da noite, realmente surpreendente, muito bem harmonizado com o vinho.
5)      Consommé de cogumelos com ervas da horta e da floresta: uma delícia com vários cogumelos, flores diversas (comestíveis) e ervas da floresta amazônica. Marravilha, com excelente harmonização.
6)      Carapau com mini arroz e alga: mais um prato deslumbrante. O sabor e a crocância do peixe foram marcantes. De novo uma boa harmonização.
7)      Fettuccine de palmito à Carbonara: uma grande surpresa. Um “falso” fettuccine, feito não com massa, mas sim com palmito pupunha. Nova Marravilha, de novo com boa harmonização.
8)      Costelinha ao Malbec com mandioca Brás: uma das carnes de porco mais macias e saborosas que já comi, mas não se compara em termos de complexidade aos melhores pratos anteriores. De novo, boa harmonização.
9)      Aligot, para fazer a transição para o mundo dos doces: preparo com destaque e serviço artístico, mas sem entusiasmar muito.
10)  Mamão verde, iogurte e bacuri: meu tipo de sobremesa - suave, sutil e marcante.
11)  Torta de castanha do Pará com sorvete de whisky, curry, chocolate, sal, rúcula e pimenta: haja inventividade, mas acho que prefiro a sutileza da anterior.

Para acompanhar esta explosão de sabores, nove vinhos foram servidos:
1)      Pinot D’Alsace Botty-Geyl 2009 – França
2)      Aligoté Bouzeron 2007 – Borgonha – França
3)      Cuveé Singulier Domaine Tissot 2009 – França
4)      Arbois Savagnin Domaine Tissot 2007 – França
5)      Touraine Clos du Tue- Bouef Vigneron 2007 – França
6)      Lesca Chardonnay De Wetshof 2009 – África do Sul
7)      Morgon Marcel Lapierre 2009 – França
8)      El Pais Dequenehuao 2009 – chile
9)      Brumaire Chateau Bouscassé 2007 – França

Quase todos vinhos honestos, sem maiores pretensões, e que resultaram em boas harmonizações (houve duas exceções, que ficaram abaixo do mínimo esperado).

E, afinal, o D.O.M realmente merece o posto de 4º melhor do mundo? Porque ele é o 4º melhor do mundo e não o melhor do Brasil?

Primeiro ponto a observar: o D.O.M é, sem dúvida, um restaurante três estrelas, dentre os melhores que já comi, embora não possa considerá-lo o melhor.

Minha tentativa de resposta e explicação para as perguntas acima é a seguinte: o Alex Atala fez uma opção realmente inteligente, obviamente amparada por sua genialidade na cozinha: ele saiu do tradicional da cozinha internacional (francesa, italiana, etc..) e resolveu explorar pratos com ingredientes tipicamente brasileiros, mas com grande complexidade e sabor, tornando-o único aos olhos do mundo.

Ou seja, é provável que você prefira o Claude Troisgros ao D.O.M ou o Fasano ao D.O.M (eu mesmo tenho o Claude como o melhor restaurante do Brasil), mas no âmbito internacional há restaurantes que fazem pratos similares ao Claude e ao Fasano, mas com qualidade e requinte superior. No entanto, não há no mundo ninguém que tenha o requinte, a qualidade e a complexidade gastronômica do D.O.M, usando os ingredientes que ele usa e servindo os tipos de pratos que ele serve.

Em conclusão, a unicidade em termos gastronômicos que o D.O.M conseguiu, na minha modesta opinião, é que o tornou o 4º melhor do mundo sem ser o melhor do Brasil.

Mas afinal, vale a pena a visita? Sem dúvida que sim, mas prepare-se para pagar preços equiparáveis aos três estrelas franceses do Guia Michelin; nada mais nada menos que R$ 1.100 para uma única pessoa!

Relembrando aos amigos que a vida é curta e é uma só, tire as notas debaixo do colchão e faça seu próprio teste.

Abraço a todos,

Brito.

Os Melhores Vinhos da Argentina (e uma Comparação com os Melhores Chilenos)


Os Melhores Vinhos da Argentina
(e Uma Comparação com os Melhores Chilenos)

Depois de analisar os vinhos chilenos em busca de seus melhores representantes (veja texto “Afinal, quais são os melhores vinhos do Chile?”) é hora de fazer o mesmo para os vinhos de nossos hermanos argentinos.

O método e o critério foram os mesmos utilizados para os vinhos chilenos: a média, considerando safras de 1995 em diante, das notas obtidas nos sites do Robert Parker e Wine Spectator, com um bônus de 0.1 pontos por cada 5 estrelas recebida da revista Decanter e penalização para vinhos que tiveram poucas safras avaliadas (com penalidades variando de 0.5, para vinhos que tiveram entre 5 e 7 safras avaliadas em cada fonte, a 1.5, para menos de três safras avaliadas).

Encontramos treze vinhos que nos últimos 15 anos obtiveram ao menos uma nota igual a 95 ou superior: quatro da Bodega Catena Zapata, a campeã de aparições (Nicolas, Malbec Argentino, Malbec Adrianna Vineyard e Malbec Nicasia Vineyard), três da Achaval Ferrer (Finca Altamira, Malbec Finca Bella Vista e Malbec Finca Mirador), dois da Vina Cobos  (Cobos Malbec e Malbec Bramare Marchiori) e mais os vinhos Cheval de Andes, Alta Vista Alto, Bodegas Poesia e Val de Flores. Neste quesito, 13 a 8 para os argentinos contra os chilenos e, por enquanto, Argentina 1 x 0 Chile.

Como era de se esperar, a Malbec é a grande estrela, com uma participação secundária importante da Cabernet Sauvignon (em geral em blends com a Malbec).

Também como era de se esperar, a região que realmente merece atenção é a de Mendoza, onde são produzidos todos os treze vinhos que aparecem neste texto.

Dois vinhos mereceram uma nota 99: Achaval Ferrer Finca Altamira 2009 e Vina Cobos Cobos Malbec 2006. Dez vinhos receberam notas 98: Achaval Ferrer Finca Altamira 2004, Vina Cobos Cobos Malbec 2004 e 2005, Achaval Ferrer Finca Bella Vista 2008 e 2009, Catena Zapata Nicolas 2004, 2005, 2007 e 2008 e Catena Zapata Malbec Argentino 2004.

Lembrando que a maior nota dos chilenos foi um 97, Argentina 2 x 0 Chile.

Dos treze vinhos listados, quatro merecem destaque, com média final superior a 94:

Vina Cobos Cobos Malbec (média 94.94): o campeão argentino é um vinho feito com 100% de uva Malbec proveniente dos vinhedos Marchiori, localizados em Perdriel, Lujan de Cuyo, Mendoza. As parreiras do vinhedo possuem idade de 80 anos. A colheita é manual. O vinho é fermentado em aço inox e amadurecido 18 meses em barrica de carvalho francês 100% novas da tonelaria Taransaud. Atenção especial para as safras 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, que obtiveram média 95.5 (safra 2002) ou 96 (todas as demais). Esta jóia pode ser encontra na Grand Cru, ao preço de R$ 950,00 a garrafa. Na adega tenho uma garrafa da safra 2006 esperando o momento certo de ser aberta, que ocorrerá em 2018. Tive a oportunidade de visitar esta vinícola quando fui a Mendoza. A simplicidade de suas instalações torna difícil acreditar que se possa produzir aqui um vinho tão espetacular. Provando que o que importa é ter uvas provenientes de um grande terroir, um enólogo competente e a determinação de fazer um grande vinho.

Catena Zapata Malbec Argentino (média 94.5): o vice-campeão argentino vem da vinícola campeã, a Catena Zapata.  Feito 100% com uvas Malbec, selecionadas dos melhores lotes dos melhores vinhedos da família Catena (a safra de 2008 veio dos vinhedos Adrianna e Nicasia), colhidas à mão. O vinho é fermentado em barricas novas de carvalho francês e, posteriormente, envelhece 24 meses em barricas 100% novas de carvalho francês. Ao contrário da simplicidade da vinícola Cobos, a Catena Zapata é uma das mais belas vinícolas que já visitei no mundo! Atenção especial para as safras 2004 (média 96.5), 2005 (média 96), 2007 (média 95.5) e 2008 (média 95). Para degustar esta maravilha é só gastar R$ 390,00 na Mistral. Infelizmente, este é um vinho que falta na minha adega. Comparado com o Cobos, temos aqui uma relação custo/benefício muito melhor.

Achaval Ferrer Finca Altamira (média 94.24): mais um vinho feito com 100% da uva Malbec, proveniente de um único vinhedo, com mais de 80 anos, em La Consulta, Mendoza. As uvas são colhidas manualmente. O processo de envelhecimento se dá em barricas de carvalho francês 100% novas, com tempo de maturação de 15 meses (para a safra 2008). Atenção especial para as safras 2004 (média 96.5), 2006 (média 96), 2008 (média 95.5), 2009 (média 95.5 com uma nota 99 do Parker) e 2007 (média 95.25). Este vinho é importado pela Expand e custa R$ 398 a garrafa. Na adega tenho uma garrafa da safra 2007 e outra da safra 2009. Esta é outra vinícola que vale a pena ser visitada: uma bela construção, uma bela vista dos Andes, uma bela degustação de seus melhores vinhos e uma recepção muito simpática.

Catena Zapata Nicolas (média 94.17): o quarto grande destaque da Argentina é de novo um vinho da vinícola Catena Zapata e o único representante que conta com a uva Cabernet Sauvignon: a safra de 2008 foi feita com 65% de Cabernet Sauvignon e 35% de Malbec. As uvas são provenientes de lotes selecionados dos principais vinhedos da Catena: La Pirâmide, Domingo, Adrianna e Nicasia. A fermentação em 2008 foi 50% em pequenos tanques de aço inox e 50% em barricas de carvalho. A maturação se dá por 24 meses em barricas de carvalho francês 100% novas. As safras de destaque são: 2005 (média 96), 2004, 2006 e 2007 (todas com média 95) e 2008 (que recebeu 98 pontos do Parker, mas não foi avaliada pela WS).  Para degustar, vá à Mistral e desembolse R$ 398. Na adega tenho uma garrafa da safra 2005, com ponto ótimo de degustação em 2022.

Pegando apenas os grandes destaques de cada país, outra vitória argentina: média de 94.46 pontos para seus quatro tops contra média de 92.4 para os três tops chilenos. Ou seja, aproximadamente 2 pontos a mais para os argentinos, o que não é pouco nesta faixa de pontuação. Placar parcial: Argentina 3 x 0 Chile.

As pontuações obtidas pelos argentinos colocam um deles entre os 50 vinhos mais pontuados do mundo e outro entre os 100 vinhos mais pontuados do mundo. Outra vitória dos hermanos frente aos chilenos.

Além dos quatro destaques acima, vale também destacar os seguintes vinhos, todos com média superior aos melhores chilenos: Catena Zapata Malbec Adrianna Vineyard (média 93.8), Catena Zapata Malbec Nicasia Vineyard (média 93.6), Achaval Ferrer Malbec Finca Bella Vista (média 93.4) e Achaval Ferrer Malbec Finca Mirador (média 93.36).

Ou seja, ao final, temos oito vinhos argentinos com média superior aos três melhores chilenos: Argentina 4 x 0 Chile.

Pelos vinhos que aparecem acima, percebe-se facilmente que as grandes vinícolas argentinas são a Catena Zapata e a Achaval Ferrer, que colocam vários vinhos entre os mais pontuados do país, seguidas pela Vina Cobos.

Surpreso com a goleada impetrada pela Argentina, resolvi pesquisar a gama de vinhos excelentes (com pontuação entre 90 e 94 pontos) e obtive o seguinte resultado: na Wine Spectator aparecem 545 vinhos argentinos contra 419 chilenos; no Robert Parker a vitória argentina é esmagadora, porém incontável, em função das características do mecanismo de busca do site. Placar final: Argentina 5 x 0 Chile.

O resultado acima não significa, obviamente, que devemos menosprezar os chilenos. Não se esqueça que a quase totalidade dos grandes argentinos que apareceram aqui são da uva Malbec, enquanto no Chile temos como grande destaque a Cabernet Sauvignon e os blends com esta uva.

Para tirar a dúvida, uma excelente degustação seria confrontar os tops chilenos com os argentinos, às cegas, e tirar a prova dos nove. Se alguém se habilitar, é só me convidar...

Abraços e boas degustações,

Brito.