quarta-feira, 3 de novembro de 2010

De Doce Basta a Vida!

DE DOCE BASTA A VIDA!

Eu sou, em geral, avesso ao açúcar, pois acho seu sabor muito enjoativo. Costumo sempre brincar com meus amigos que “de doce basta a vida!”. Mas abro uma exceção para alguns vinhos doces, particularmente os da região de Sauternes, Bordeaux, na França.

A grande maioria das pessoas ama ou odeia os vinhos doces por razões erradas e por desconhecimento.

Vejo com frequência as pessoas pedirem vinhos doces, mas não os vinhos aos quais pretendo me referir neste texto e sim aquelas bebidas feitas de uvas não viníferas às quais se acrescenta açúcar de cana para dar o sabor adocicado. Estas pessoas que dizem gostar de vinho doce na verdade gostam de bebida doce. Já ouvi relatos de pessoas que, ao se deparar com uma taça de vinho seco, acrescentam açúcar (ou adoçante!) para dar o sabor adocicado que desejam.

Por outro lado, é comum ouvir a frase: “quem gosta de vinho doce não conhece vinho”. Esta frase está repleta de preconceito e de desconhecimento por parte de seus autores.

Alguns dos melhores vinhos do mundo são doces. Por exemplo, o Chateau d’Yquem, vinho doce da região de Sauternes (Bordeaux – França), tem nada menos do que oito safras com pontuação maior ou igual a 95 de 2001 para cá. As safras de 2001, 2003 e 2005 a 2009 foram classificadas por Robert Parker nesta faixa de pontuação; as safras de 2002 e 2004 não foram pontuadas por ele. Para a safra de 2002 temos a avaliação da Wine Spectator: 96 pontos. Logo, das nove safras deste período (a safra de 2010 ainda está em produção), oito receberam pontuação maior ou igual a 95 e podem ser categorizadas como clássicas. Isto é algo realmente extraordinário em termos de qualidade!

Então, qual é o vinho doce considerado de qualidade e que é motivo deste texto? Estou me referindo aos vinhos que ainda possuem açúcar residual, proveniente da própria uva, após o término do processo de fermentação. Os melhores vinhos doces deste tipo têm grande acidez, o que os torna vinhos muito interessantes e nada enjoativos.

Como é possível então obter um vinho doce? Devemos lembrar que, na fermentação, as leveduras transformam açúcar em álcool, mas que as leveduras morrem quando o teor alcoólico atinge algo em torno de 16º. Logo, se a uva tinha um alto teor de açúcar, o processo de fermentação vai encerrar antes que todo o açúcar tenha se transformado em álcool e haverá açúcar residual, resultando então nos vinhos doces aos quais me refiro.

O alto teor de açúcar na uva pode ser obtido de quatro formas distintas:

Botrytis Cinerea: o Botrytis é um fungo que, sob determinadas condições climáticas, ataca as uvas em algumas regiões do mundo (veja foto que ilustra este texto), dando origem à chamada “podridão nobre” da uva. As uvas atacadas pelo fungo perdem água, aumentando, portanto, a concentração de açúcar, e ganham acidez, permitindo a elaboração de vinhos doces de grande qualidade, proporcionada pelo equilíbrio entre doçura e acidez.
As principais regiões do mundo com condições favoráveis para o aparecimento da podridão nobre são: Sauternes em Bordeaux na França, Tokaj na Hungria, Vale do Loire na França, Alsácia na França (excepcionalmente em anos favoráveis), Alemanha e região de Burgenland na Áustria. No novo mundo há produção de vinhos a partir de uvas botrytizadas na África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e na Califórnia.

As uvas mais comumente utilizadas para a produção destes vinhos são: Semillon, Sauvgnon Blanc, Chenin Blanc, Riesling, Gewurztraminer e Furmint.

A história mostra que o vinho feito com este tipo de uva surgiu por acaso. Em Tokaj, no século XVII, a colheita foi atrasada em função de um ataque dos turcos e o resultado foi que parte das uvas havia apodrecido no pé (de fato atacadas pela podridão nobre). Alguns produtores resolveram produzir vinho com estas uvas, mas como não sabiam o que ia ocorrer fizeram a vinificação separadamente das demais uvas. O resultado foi um vinho doce que se tornou muito apreciado e, a partir daí, passou a ser feito propositalmente.

Os vinhos doces feitos de uvas botrytizadas são em geral caros. Há duas principais razões para isto. Primeiro, a perda de água significa que a quantidade de vinho produzida por um cacho de uva é significativamente menor do que poderia ser produzido por um cacho da mesma uva colhida no tempo correto. Segundo, pelos custos associados ao processo de colheita. Como o Botrytis não ataca todos os cachos (e mesmo todas as uvas de um cacho) de forma uniforme, há necessidade de se fazer várias rodadas de colheita, nas quais se colhe, em cada uma, apenas os cachos ou apenas as uvas de um cacho que já foram suficientemente afetadas pela podridão nobre. Há anos em que se chega a fazer, na região de Sauternes, dez ou mais rodadas de colheita!

Uvas Secas: a segunda forma de se fazer vinhos doces é a partir de uvas secas. O processo de secagem pode ser com a uva ainda na parreira ou após a colheita, mais comum, quando as uvas são postas a secar antes do início da vinificação. A secagem resulta em maior concentração de açúcar, permitindo a produção de vinhos doces.

Esta é a forma mais antiga de se produzir vinhos doces, com relatos históricos datados do século VIII.

Esta técnica é utilizada em vários países, mas merece destaque os vinhos provenientes da Itália, como o Vin Santo da região da Toscana e os passitos das regiões da Sicília, Campania e Puglia.

Eiswein: vinho feito a partir de uvas que congelaram na parreira. As uvas são colhidas e prensadas ainda congeladas. O congelamento também resulta em maior concentração de açúcar, além de aumentar a acidez e a quantidade de extratos da uva. Para um bom resultado, a temperatura de congelamento deve ser de 8 graus negativos ou menos.

A denominação Eiswein é específica para vinhos alemães, mas há vinhos produzidos de forma similar em outros países, como Áustria e Canadá.

Colheita tardia: neste processo as uvas são colhidas após o tempo normal, resultando em frutas mais maduras e com maior teor de açúcar. Note que, de fato, há colheita tardia também em outras técnicas, mas os vinhos denominados de colheita tardia (ou late harvest) são aqueles feitos com uvas que, embora colhidas tardiamente, não sofreram a podridão nobre e nem foram colhidas congeladas.

Talvez este seja o tipo de vinho doce mais simples e comum, resultando em vinhos, em geral, de qualidade inferior aos acima descritos.

Há vinhos feitos com a técnica de colheita tardia em vários países do mundo.

Os vinhos doces são normalmente servidos como sobremesa, mas há situações em que eles aparecem na entrada ou mesmo no prato principal. Um casamento clássico, que beira à perfeição, é uma taça de um bom Sauternes com escalope de Foie Gras. Quando tiver oportunidade, não deixe de experimentar!

Agora que conhecemos um pouco mais sobre os vinhos doces, escolha algumas opções para servir como sobremesa em seu próximo jantar.

Abraço a todos,

Brito.

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