sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Aborto da Inteligência

ABORTO DA INTELIGÊNCIA


O uso político eleitoreiro de um tema complexo como o aborto é de causar nojo. Ao invés de gastar energia para apresentar propostas concretas para o país, o candidato dito mais esclarecido, que era a esperança de inteligência na campanha, tem se ocupado, com apoio de grupos religiosos fundamentalistas, em demonizar o outro lado em função de uma posição declarada a favor da legalização do aborto. Interessante observar que este mesmo candidato, em um ato falho, afirmou recentemente: “Nunca disse que sou contra o aborto porque sou a favor; quero dizer, nunca disse que sou a favor do aborto porque sou contra”.

Mas meu objetivo aqui não é discutir política. Como diz o João Ubaldo, a diferença entre político de esquerda e de direita é a mão que ele utiliza para roubar; já o de centro, na dúvida, rouba com as duas mesmo.

No filme “A Caixa”, um casal de classe alta média americana (mãe professora, pai pesquisador da Nasa) recebe a visita de um cidadão enigmático que lhes faz a seguinte proposta, em resumo: eu vou lhes entregar uma caixa com um botão; se vocês apertarem o botão nas próximas 24 horas, vocês ganharão 1 milhão de dólares, mas alguém que vocês não conhecem irá morrer como consequência de seu ato. Depois de muito refletir e discutir, o lado econômico fala mais alto e a mulher aperta o botão. Afinal, a morte de alguém que ela não conhece não vai afetá-la muito. Mas a vida do casal se transforma em um caos e eles acabam vítimas do mesmo teste. Mas também não estou aqui para contar o filme.

Pegando emprestada a questão de fundo do filme, imagine a seguinte situação hipotética: seu filho desaparece e você recebe a visita de alguém que lhe oferece uma caixa com dois botões. Se você apertar o botão verde seu filho volta para casa, cego e surdo para sempre; se apertar o botão vermelho seu filho volta para casa são e salvo, mas 10 pessoas que você não conhece morrem imediatamente; se não apertar botão algum seu filho morre. Com este dilema posto, creio que 99.9% (se não 100%) apertariam o botão vermelho. Afinal, o que são as vidas de 10 pessoas desconhecidas perto da felicidade de seu filho?!

Os políticos que estão usando eleitoreiramente o aborto e os grupos religiosos que os estão apoiando usam o argumento que a legalização do aborto no Brasil, nos moldes do que foi feito em diversos outros países desenvolvidos, significaria uma “carnificina” (palavra de efeito utilizada para chocar os incautos), embora as estatísticas dos países que legalizaram o aborto apontem em sentido contrário.

Por outro lado, segundo estatísticas do SUS, em média, 200 mulheres morrem todos os anos no Brasil em decorrência de complicações de abortos realizados sob condições desumanas. Obviamente que essas mortes são de pessoas pobres, que vivem próximas à miséria e que estão, em geral, muito distantes da vida dos personagens citados neste texto.

As estatísticas também mostram que uma em cada cinco mulheres de até quarenta anos já fizeram aborto! Portanto, esta é uma prática nacional (não admitida), segura para quem pode pagar e às vezes fatal para os mais necessitados.

A questão do aborto no Brasil, portanto, deveria ser tratada como problema de saúde pública e não como problema religioso. Há um falso moralismo e falso interesse pela vida nesta questão. O que temos aqui é uma caixa com dois botões: se apertar o verde, há a chance de aumento no número de abortos e a consequente eliminação de células embrionárias (e não de vidas!); se apertar o vermelho, duzentas mulheres continuarão morrendo todos os anos no Brasil. Que botão você apertaria?

Para finalizar, os mesmos grupos que estão fazendo estardalhaço com a questão do aborto são os que condenam o uso de preservativo em relações sexuais, mas não se importam com as mortes decorrentes da AIDS, que poderiam ser evitadas com o uso da camisinha; ou que condenam o uso de pílula anticoncepcional como método anticonceptivo, mas não se importam com as mortes infantis que decorrem do nascimento de filhos que não podem ser sustentados, dada a pobreza de suas famílias.

Este não é um texto pró ou contra a legalização do aborto e sim um texto a favor da racionalização e da reflexão e contra posições dogmáticas fundamentalistas que nos remetem a séculos passados.

Triste de um país que tem como tema central de sua eleição presidencial a posição de seus candidatos sobre a legalização do aborto, enquanto temos problemas muito mais sérios, que afetam de forma muito mais contundente o direito à vida das pessoas.

Abraço a todos,

Brito.

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